terça-feira, 21 de junho de 2022

Eu e a comida: relato de uma ex compulsiva alimentar

Minha relação com a comida mudou muito ao longo dos anos. Na minha infância, eu praticamente nasci em um bar. Claro que o parto foi em hospital, mas de lá, meus pais, na época donos de um boteco, já me levavam em uma banheirinha para trás do balcão, de onde, quando abri meus olhinhos, podia observar o colorido das balas e embalagens de chocolates sem poder comer, obviamente. Um pouco mais grandinha, já podia saborear os doces de bar dos anos 90: maria-mole, doce de abóbora de coração (meu preferido, derretia na boca e tinha uma crostinha crocante por fora!), Chocolate Surpresa que vinha com um card junto, guarda-chuva de chocolate com gosto de gordura e açúcar puros que a galerinha se deliciava sem saber que bom mesmo foi que a gente era criança e tinha saúde para dar e vender, podendo comer essas coisas sem medo de um possível problema de saúde de repente. Salgadinhos duvidosos com brindes como tazos, muita Coca-Cola para trocar as tampinhas por Geloucos e lanches esporadicamente feitos no trailer da esquina de casa que faziam dos meus dias mais felizes. Assim cresci, mantendo também alta quantidade de frutas na alimentação, em especial peras (que não posso ver hoje em dia pois enjoei legal do sabor) e morangos. Em casa, sempre tinha feijão e arroz, carne e salada. Minha mãe teve, durante toda a minha infância, anemia. E assim pratos recheados de ferro e muitas vitaminas mais apareciam em seus preparos. Aí eu comia também. Apesar de tanto doce eu não era de comer sem fome, tirando a refeição do meio-dia. Sim, almoço para mim é um decreto até os dias de hoje: meio-dia é a hora. Se atrasar acontece alguma catástrofe, tipo o fim do mundo, sério mesmo. 

A partir dessa parte tem alerta de gatilho. 

Mas tudo mudou aos 11 anos. Eu comprei uma revista em uma banca de jornais de rua, por um preço simbólico, dessas já abandonadas por ter passado da data de venda. E lá, em algum lugar, tinha uma dieta: “Perca 3kgs em 15 dias com chá verde”. Desde os 9 eu via pneuzinhos em mim e não gostava. Desde os 7, um comentário infeliz de uma pessoa me fez sentir deslocada e fora do padrão. Desde muito cedo nós, mulheres, somos ensinadas a cuidar do corpo para não sermos feias e arrumar marido, como se esse fosse o único objetivo de nossas vidas: agradar homens. E ali, eu segui a risca o que a revista propunha. As refeições eram de 3 em 3h, estando com fome ou não. Pão integral, frango, salada. Não lembro direito o que mais. Mas tinha o chá verde. Viciei tanto que só fui desmamar há dois anos. Sim, eu tomei chá verde dos 11 aos 29 anos TO-DOS OS DI-AS. Com algum tempo de dieta, minhas roupas foram ficando largas. Até que eu estacionei e não perdia mais peso. Aí tive uma brilhante ideia: parar de comer. Passava dias e dias sem colocar nada na boca. Se eu começava a passar mal, ia para os meus morangos, tomava um copo de leite ou esperava passar. Aos 14, me matriculei na academia. Não comia por dias, ou consumia muito poucas calorias e ia malhar. Loucura demais. Cheguei a um peso baixo. E continuava me vendo gorda. Então, passei aos laxantes. Cólicas terríveis. Até hoje não consegui recuperar meu intestino 100% por causa dessa época. E com os laxantes veio o inevitável: a compulsão alimentar. 

 Minha história com a compulsão alimentar não é fácil de ser escrita. Ela é longa e dolorosa. Me trouxe ganho e perda de peso durante a vida. Mas principalmente me trouxe transtornos com a minha imagem a ponto de eu nem saber mais quem eu era. Aos poucos, passei a camuflar sentimentos com a comida. Vazios eram preenchidos por um pacote de miojo, seguidos por fatias de pão com requeijão, que vinham acompanhados de banana com mel e por cima, com barras e barras de chocolate e... enfim. Não sabia mais o que era fome e saciedade. 

Fim do alerta de gatilho.

 Até que voltei para a terapia em 2020 e iniciei a faculdade de Estética e Cosmética em 2021, dois pontos cruciais para eu fazer as pazes com o meu prato. Entender anatomia humana foi essencial para eu perceber que tudo na gente requer cuidado, que nosso coração precisa de atenção especial para funcionar direito e que alimento serve pra nutrir e não para apagar sentimentos que não queremos sentir. E sobre o sentir... bem, tive que encarar muitos monstros e nisso a terapia foi essencial. Teve dia em que eu quis sair correndo de lá no meio de tudo. Teve dia que chorei. Teve quando eu quis nunca mais voltar. E tem o hoje, quando eu reconheço o quanto sou incrível, forte e que estou a cada dia um pouco melhor em relação ao que como. Veja bem, eu escuto os meus instintos há meses! Eu como quando meu corpo pede, o que ele pede! Eu não me puno por comer, nem sinto culpa e não tenho um episódio compulsivo há meses... e precisava registrar essa vitória nesse meu cantinho porque toda vitória minha precisa vir pra cá assim como toda derrota também vinha parar por aqui, risos nervousos.

Esse final feliz ainda está sendo construído. Ainda tem dias que acordo e me sinto a ~pessoa mais feia do universo~, mas passa em poucos minutos. Minha autoestima finalmente está aqui altinha e eu mal posso acreditar. ♥ Desejo a você que está lendo uma autoestima lá no céu também. E se você estiver passando por um momento complicado com a sua alimentação e quiser conversar, corre na aba contato e me chama no sigilo, bora bater um papo.

Beijinhos.

2 comentários:

  1. Nossa que post forte... Eu já tive anorexia quando tinha uns 14 anos... Até hoje preciso me policiar em relação á isso, hoje em dia como de tudo, mas no fundinho sempre tem uma voz falando para eu não comer ou então a culpa aparece vez ou outra.
    Minha autoestima é péssima, principalmente no quesito interno sabe? Eu gosto de mim fisicamente, mas internamente todo dia é uma luta em perceber meu valor. Espero melhorar um dia...
    Fico feliz porque você está hoje, que você melhore e vença ainda mais. Fique bem! ♥

    https://www.heyimwiththeband.com.br/

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  2. Oie ! Que texto inspirador, fico feliz que você esteja bem, com a auto estima bem no alto, e ainda se propôs a conversar com quem passa por essas situações.

    Eu tenho um problema seríssimo com auto estima e isso é tão ruim, penso em fazer um tratamento com psicólogo, mas só de imaginar que preciso organizar meus pensamentos e externá-los da uma preguiça, só queria que lessem minha mente e me ajudassem hahaha. Um grande beijo ♡

    www.blogresenhando.travel.blog

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