Acho muito importante discutir a crítica de moda brasileira que é praticamente inexistente. A maior parte das revistas de moda acabam vendendo matérias ou falando bem de determinada coleção apenas para não perder patrocinadores. Essa, inclusive, foi a análise feita no meu TCC de jornalismo, sobre a publicidade em textos ditos jornalísticos.
Nem toda coleção é boa e digna de elogios (assim como em outras áreas, como livros e filmes), então, por qual motivo nós só vemos elogios para a moda de passarela por aí? Trouxe hoje uma excelente reflexão, feita por Eduardo Motta, no livro "O lugar maldito da aparência" (Editora Estação das Letras e Cores):
Nem toda coleção é boa e digna de elogios (assim como em outras áreas, como livros e filmes), então, por qual motivo nós só vemos elogios para a moda de passarela por aí? Trouxe hoje uma excelente reflexão, feita por Eduardo Motta, no livro "O lugar maldito da aparência" (Editora Estação das Letras e Cores):
Uma questão
crítica
"Para uma
área que ocupa um papel central na cultura contemporânea e na qual as ações
requerem a tomada rápida de um número elevado de decisões, a moda é
espantosamente falha em cultivar um aparato crítico em torno dela, preferindo
optar pelo texto afirmativo (de caráter publicitário ou descritivo) que
amadurecer, submetida à opinião externa.
Há casos
notórios nos quais quem se arriscou a criticar uma coleção perdeu o assento no
próximo desfile da marca. Não se engane pela aparência inofensiva. Na moda,
identificar falhas na proposta de uma coleção, analisando comparativamente os
resultados e eventualmente concluindo que alguma coisa não foi bem (ainda que
de forma isenta e objetiva como a boa crítica deve ser), pode transformar-se em
uma atividade cheia de perigos.
As razões
que levam a moda a evitar a crítica como se estivesse diante de uma arma
configuram um assunto, mas não é um mistério. A contradição aumenta se
considerarmos que muitos de nós, seus agentes, exercitamos com frequência a
arte do comentário afiado em situações reservadas. Esta prática privada não
configura necessariamente uma crítica, mas seria possível pensar nela como uma
espécie de treinamento.
Se os
candidatos a exercer a crítica temem represálias, as marcas, por sua vez,
receiam que uma opinião negativa possa abalar o prestígio que desfrutam e
prejudicar as vendas. O círculo de proteção fecha-se. Neste ponto a moda
retrocede nas suas pretensões como atividade criativa, endurece o jogo e
inviabiliza uma prática comum nas artes visuais, na literatura ou no cinema,
empacando na condição de atividade estritamente comercial, da qual,
reiteradamente, tenta afastar-se. Isso acontece quando é conveniente ampliar o
valor cultural da marca, estratégia que tem contrapartida no valor econômico,
mas a deixa mais exposta. Neste caso, não ajuda o conhecimento de que os filmes
de grande bilheteria são geralmente os mais castigados pela crítica e raramente
alguém deixa de ver uma exposição e ler um livro porque receberam críticas
ruins. É como se nunca houvesse sido observado e dito que, se há algo que
pavimenta a presença de uma proposta de pretensão autoral em qualquer área, é
justamente a troca franca entre a criação e a análise crítica.
Uma crítica
de moda, se houvesse, faria pouco ou nenhum sentido se dirigida à moda genérica
e produzida em grande escala. Em tese, ela estaria direcionada àqueles
criadores que tem uma proposta particular, diferente das demais e que, também
em tese, estariam interessados na discussão sobre alcance e limites do seu
recorte singular.
Marcas que
produzem para um gosto amplo, cuja habilidade principal consiste em detectar e
aprisionar no produto qualidades já assentadas no gosto comum, não se
enquadrariam como objeto de atenção. A marca autoral supostamente define o
campo em que atua. Na medida em que ela põe em jogo questões que estão além do
ordinário é que entra na mira do interesse crítico. O mesmo princípio vale para
o criador ou marca que já apresentou algo de significativo anteriormente. Em
ambos os casos, seja pela originalidade ou pelo peso das realizações, o ponto
de partida já pressupõe algum nível de complexidade e qualidade. É só neste
patamar que faz sentido falar em crítica.
A moda
autoral é como uma tomada de posição, não está destinada a agradar a todos.
Quem faz, supostamente, está ciente dos limites do que fez, conhece os biótipos
que se encaixam, as subculturas relacionadas ao seu gosto, entre outros
fatores. Nestes casos, a opinião negativa de uns geralmente funciona como
reforço para o apreço de outros, consolidando a fidelidade dos adeptos de longa
data e atraindo novos, em função da clareza de propósitos.
Se a marca
arrisca-se a mudar de direcionamento para ampliar vendas, por exemplo, ou
envereda por experimentações estilísticas fora do usual, é bem provável que
neste momento a crítica identifique a guinada, aponte e avalie. Eventualmente
isso pode acelerar uma alteração do status anterior. Para que este texto seja
honesto, é preciso dizer que nestes casos uma crítica pode causar estragos. Mas
esta possibilidade (a de que algo venha a ser afetado por opiniões) existe
sempre e é parte inseparável da condição de toda coisa pública. Sejam quais
forem os riscos, objetivamente, é mais produtivo ouvir o que outros tem a dizer
do que fechar as portas ao diálogo.
Opto pela
afirmação: o número de pessoas que deixaria de comprar um item de moda em
função de uma crítica ruim é irrelevante, perto daquele que compraria a moda
como ideia, ingressando no círculo de consumo dela, a partir da interação
esclarecida com suas práticas e propostas. Coibir a crítica assemelha-se muito
a evitar o esclarecimento do público, algo semelhante ao que é levado a cabo
pelos regimes autoritários, que optam por não oferecer educação, temendo que os
educados amadureçam e enxerguem a fragilidade dos pilares que os mantém onde
estão. Outra analogia possível é com o despreparo emocional para ouvir o que
não gosta. Neste caso, a moda comportaria como uma criança mimada ou um adulto
que se recusa a crescer.
De fato, a
falta de uma crítica (condição que em dado momento funcionou como um anteparo
de proteção para o seu desenvolvimento) é hoje o calcanhar de Aquiles da moda,
impedindo-a de amadurecer como atividade e evoluir como forma de expressão".
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